Em respeito à segurança jurídica, uma decisão judicial que se tornou estável não pode ser alterada por recurso repetitivo julgado posteriormente com tese fixada em sentido oposto. Dessa forma, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu embargos de declaração com efeitos infringentes para modular os efeitos de decisão de recurso repetitivo do Superior Tribunal de Justiça e impedir que operadora de plano de saúde tenha direito de ressarcimento em face de usuário.
Em primeira e segunda instâncias, a operadora do plano de saúde foi condenada na ação de obrigação de fazer ajuizada, tendo que custear dois medicamentos prescritos pelo médico do usuário do plano para combate da Hepatite C.
A operadora havia argumentado que o medicamento é importado e sem registro na Anvisa, de modo que não poderia ser obrigada a custear tratamento não regulamentado pelo órgão público.
O tribunal não deu razão e disse que “o fato de o medicamento ainda não ter sua nacionalização, inexistir o similar no mercado nacional não afasta a licitude do tratamento e, consequentemente, a responsabilidade da operadora pelo seu custeio quando prescrito pelo médico devidamente fundamentado em exames que constatam o avançado estágio da doença”.
Mesmo derrotada nas duas instâncias, a operadora recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Tempos depois, ao julgar o tema repetitivo 990, a 2ª Seção fixou tese favorável à operadora: “As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela Anvisa”.
O Presidente da Seção de Direito Privado do TJ-SP, em atendimento ao decidido pelo STJ no Agravo em Recurso Especial interposto pela operadora, com base no artigo 1030, II, do CPC, que dispõe sobre o juízo de retratação, determinou a reapreciação da questão pelo desembargador relator.
No acórdão, a turma julgadora acabou não analisando a aplicação da tese repetitiva, de modo que a questão foi suscitada por meio de embargos de declaração opostos pelo consumidor. O juiz em segundo grau José Aparício Coelho Prado Neto acolheu o argumento pela necessidade de modulação do entendimento sedimentado no Tema 990 do STJ (Recursos Especiais 1.712.163/SP e 1.726.563/SP), tendo em vista a data de propositura da ação.
Aparício afirmou que “levando em conta que a ação foi proposta aos 18 de dezembro de 2014, fato objetivo que não pode ser ignorado, quando a decisão apelada representava judiciosa solução marcadamente majoritária em nossos tribunais, forçoso considerar que o entendimento sedimentado no Tema 990 proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em 8 de novembro de 2018, não pode ser aplicado ao caso em tela”.
“Com a devida vênia, não há como se considerar o preceituado no sistema de recursos repetitivos em comento, posto que emitido cerca de quatro anos depois, quando já a lide já se encontrava estabililizada e, inclusive, com análise exauriente em duplo grau de jurisdição.”
O magistrado comentou que, à época dos julgados assinalados, o pensamento jurídico largamente predominante era no sentido diametralmente oposto ao que terminou sendo acolhido pelo Tema 990 em novembro de 2018, “de modo que, no presente caso, admitir-se outra decisão que não aquela apresentada pelo juiz de primeiro grau, data maxima venia, significaria forte golpe contra o interesse social e a segurança jurídica, mormente no caso em tela que, repita-se, teve início há mais de cinco anos”, disse.
O componente da 9ª Câmara citou pronunciamento do juiz em segundo grau Rodolfo Pelizari, da 6ª Câmara de Direito Privado, em julgamento envolvendo a mesma questão abordada. Pelizari registrou que “é impensável que aqueles que ajuizaram suas ações, visando o fornecimento do medicamento, objeto dos autos, antes do julgamento do Recurso Repetitivo, sejam obrigados a pagar quantia astronômica às operadoras de saúde, enquanto que aqueles que se socorreram do Poder Judiciário, após o referido julgado, em contrapartida, sejam desonerados de arcar com qualquer quantia. Se assim o fosse estaríamos criando situação paradoxal, na qual, situações idênticas estariam sendo tratadas de forma completamente diversa”.
Também foram citados precedentes das cortes superiores em que houve modulação de efeitos de uma decisão dada em recurso repetitivo.
Participaram do julgamento os desembargadores Edson Luiz de Queiroz e César Peixoto.
Embargos de Declaração Cível 1129258-52.2014.8.26.0100/50001
Por Thiago Crepaldi
Fonte: Consultor Jurídico
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