O transplante hepático é o segundo tipo mais comum entre os transplantes. O motivo é que o procedimento é a única terapêutica para os indivíduos que possuem falência do órgão. Trata-se de uma cirurgia que pode ser realizada a partir de doadores vivos ou mortos, através de exames de compatibilidade.
Desta forma, constantes foram os pedidos judiciais para cobertura desse tratamento, uma vez que os pacientes acometidos por cirrose ou câncer não possuíam alternativa terapêutica além do transplante.
Com isso, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em setembro do ano passado, achou por bem inserir o transplante de fígado no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. A iniciativa significa que os pacientes que forem contemplados com o órgão pela fila do SUS terão direito de ter a sua cirurgia coberta pelos planos de saúde.
No entanto, é importante lembrar que o fato de o plano de saúde ser obrigado a cobrir com o tratamento não quer dizer que o paciente não tenha que se submeter à fila do SUS. A fila continua sendo a única forma de cadastro e acesso perante o órgão responsável.
Mesmo com a necessidade de cobertura, os planos de saúde não são autorizados a alterar a ordem da fila a que os pacientes são submetidos. Isso seria uma espécie de “fura fila” por ser atendido pela saúde privada.
A doença merece destaque. O Brasil é o segundo país com o maior número de transplantes, realizando o procedimento desde 2004. No entanto, a terapêutica demorou quase 20 anos para fazer parte da cobertura obrigatória dos planos de saúde.
Percebe-se que o lapso temporal entre a realização dos procedimentos com a obrigatoriedade de cobertura não anda junto. Desta forma, questiona-se a razão pela qual o procedimento teria demorado tanto tempo para ser incluído na lista da ANS, sendo que o Brasil só perde para os Estados Unidos em números de procedimentos.
Evidências científicas sobre a eficácia, efetividade e segurança não faltaram para se concluir que o procedimento é necessário e viável. Até mesmo se pensarmos que os pacientes que sofrem a falência do fígado muitas vezes não possuem alternativa terapêutica.
Assim, nos leva a crer que a ausência de previsão no rol pode estar diretamente ligada aos elevados custos dos procedimentos e os efeitos financeiros que poderiam impactar os planos de saúde.
O procedimento só foi inserido no rol da ANS após a consulta pública nº 100, que analisou os aspectos relacionados às evidências científicas sobre eficácia, efetividade e segurança, bem como a avaliação econômica de benefícios e custos, em comparação com os procedimentos já existentes no rol.
Além da dificuldade em conseguir o órgão para a realização do transplante, o paciente ainda encontra entraves para a própria cobertura, muitas vezes tendo que ser submetido ao procedimento através do SUS.
Por isso, por quase vinte anos, foi o SUS que assumiu os elevados custos dos procedimentos, mesmo de pacientes que possuíam planos de saúde e arcavam mensalmente com os valores propostos pelas operadoras.
Neste sentido, percebe-se que a pressão da população e comunidade médica em inclusão de procedimentos no rol tem chamado a atenção, principalmente nos casos em que os tratamentos demandam grandes dispêndios, como já ocorrido nos casos de medicamentos para Amiotrofia Muscular Espinhal (AME).
Outrossim, merece destaque que o Rol de Procedimentos da ANS garante a obrigatoriedade de cobertura tanto com o doador quanto com o receptor, acompanhamento clínico ambulatorial pós-transplante, acompanhamento clínico no período de internação do receptor e do doador, bem como exames como citomegalovírus após a realização do transplante e vírus Epstein barr.
Desta forma, o que era comumente negado pelos planos de saúde passou a ser de cobertura obrigatória, não podendo mais prevalecer o argumento de que o procedimento não consta no rol da ANS.
Sendo assim, com a alteração do rol de procedimentos, os planos de saúde passam a ser obrigados a fornecer toda a estrutura e tratamento para a realização do transplante hepático, incluindo as despesas com os doadores no caso de doação entre pessoas vivas.
Importante mencionar, ainda, que o rol de procedimentos da ANS é direcionado para os planos considerados novos (contratações a partir de janeiro de 1999) e adaptados, portanto, as negativas ainda poderão surgir para os planos considerados antigos e não adaptados à Lei 9.656/98, uma vez que o rol de procedimentos é específico quanto a sua abrangência.
O Poder Judiciário já vinha se posicionando pela cobertura obrigatória, antes mesmo da inclusão do procedimento no rol. O centro da discussão era que a negativa colocava em risco o objeto contratual, violando a legislação consumerista.
Não é demais lembrar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui súmula a respeito da abusividade da negativa de procedimento não listado no rol da ANS, desde que haja a expressa indicação médica para tanto.
Neste sentido, caso haja alguma negativa quanto à cobertura do procedimento, é necessário verificar sob qual fundamento está respaldado o posicionamento do plano de saúde, para que então se possa tomar as medidas cabíveis, seja de adaptar o contrato ou ainda discutir judicialmente a orientação médica.
Desta forma, apesar desse grande avanço para a medicina ser incorporado ao rol de procedimentos da ANS, os consumidores ainda poderão encontrar dificuldades para a efetivação dos seus direitos e poderão aguardar por muitos anos a inclusão de novos tratamentos pela demora na atualização do rol, mesmo com a existência de eficácia do procedimento.
Fonte: JOTA Leia matéria completa
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